porta entreaberta
mariamiriam.portaentreaberta@gmail.com
domingo, maio 14, 2006
sábado, maio 13, 2006
Subversão canina?
Estamos na foz, a olhar o rio, espreitado também por uns bancos de madeira desbotados. Ali ao lado, a uns 200 metros à direita, ergue-se frouxamente uma casa esquelética, excluída e envergonhada, dejectando pedregulhos em ruína, atrás de si. No lado esquerdo, ignorando a casa podre, está um edifico envidraçado e muito espaçoso de ornatos airosos e plantas altas e viçosas na entrada, onde há lojas de comércio e espaços de entretenimento, com farta publicidade, ao cinema, à restauração e às piscinas, cravada na fachada principal, numa estética perfeita. Sob os nossos pés, que estão no encalço da escadaria do edifício envidraçado, o trilho entre a relva macia e verde, ladeada por uma pista para ciclistas. Ali atrás, perto da rua, um aglomerado de casas ambulantes ocupadas por estrangeiros que chegam para desfrutar as coisas bonitas do Norte de Portugal.
É neste cenário que, de repente, se vê um cão a correr com um objecto cravado nos seus dentes. E atrás dele um turista recém-chegado numa caravana, ao qual bastou sair à rua, descalçar a sandália por alguns segundos, para limpar qualquer coisa no pé, e logo ser perturbado por este intruso inesperado. O turista verga os 45 anos, e tem uns calções irrealistas, com umas cores às cambalhotas, que fazem trocar a vista, e uma camisola amarela. O turista fala e esbraceja, correndo meio destrambelhado atrás do cão. O cão faz intermitentes paragens, fugazes, nas quais se volta para o seu perseguidor, para medir a sua capacidade de alcance, que é muito fraca. Parece que ri com gozo e depois, nestas intermitentes viragens, faz também um olhar pasmado, intrigado com as palavras estrangeiras atiradas para o ar, pelo homem.
Mas a corrida do cão perde vantagem depois de uma destas fugazes paragens. Enquanto se relança, deixa cair a sandália sobre o chão pelo que retrocede um metro atrás, para o pegar novamente. Na pressão do momento não consegue agarrá-la com firmeza e ela volta a cair. Entretanto, nestes soluços de atitude o homem consegue ficar mais próximo. O homem que ao mesmo tempo olha para quem o observa, tentando se desculpar, mas sem palavras, pela sua patética corrida. E o cão, no seu olhar aguçado, já percebe o risco à sua segurança, a luta corpo a corpo, talvez, e as consequências. Até porque há a sua cadela e os seus cachorros, e os amigos das ossadas, e um mais não de uivados a chamarem por ele, certamente. Talvez por tudo isto, abandona a sua quase conquista, a sandália, sobre as ervas, e desaparece meteoro, entre as pedras descambadas da casa alienada.
Resta, agora, o homem profundamente destabilizado junto do objecto, o objecto que quase desacreditou ser capaz de alcançar. Pega nele, observa-o, virando-o em todos os seus perfis. Uma sandália impiedosamente cravada de furos. Salvou-a, mas certamente não mais será a mesma.
Depois deste episódio e depois do cão que se apoderou da passadeira, será de suspeitar de uma subversão canina?
É neste cenário que, de repente, se vê um cão a correr com um objecto cravado nos seus dentes. E atrás dele um turista recém-chegado numa caravana, ao qual bastou sair à rua, descalçar a sandália por alguns segundos, para limpar qualquer coisa no pé, e logo ser perturbado por este intruso inesperado. O turista verga os 45 anos, e tem uns calções irrealistas, com umas cores às cambalhotas, que fazem trocar a vista, e uma camisola amarela. O turista fala e esbraceja, correndo meio destrambelhado atrás do cão. O cão faz intermitentes paragens, fugazes, nas quais se volta para o seu perseguidor, para medir a sua capacidade de alcance, que é muito fraca. Parece que ri com gozo e depois, nestas intermitentes viragens, faz também um olhar pasmado, intrigado com as palavras estrangeiras atiradas para o ar, pelo homem.
Mas a corrida do cão perde vantagem depois de uma destas fugazes paragens. Enquanto se relança, deixa cair a sandália sobre o chão pelo que retrocede um metro atrás, para o pegar novamente. Na pressão do momento não consegue agarrá-la com firmeza e ela volta a cair. Entretanto, nestes soluços de atitude o homem consegue ficar mais próximo. O homem que ao mesmo tempo olha para quem o observa, tentando se desculpar, mas sem palavras, pela sua patética corrida. E o cão, no seu olhar aguçado, já percebe o risco à sua segurança, a luta corpo a corpo, talvez, e as consequências. Até porque há a sua cadela e os seus cachorros, e os amigos das ossadas, e um mais não de uivados a chamarem por ele, certamente. Talvez por tudo isto, abandona a sua quase conquista, a sandália, sobre as ervas, e desaparece meteoro, entre as pedras descambadas da casa alienada.
Resta, agora, o homem profundamente destabilizado junto do objecto, o objecto que quase desacreditou ser capaz de alcançar. Pega nele, observa-o, virando-o em todos os seus perfis. Uma sandália impiedosamente cravada de furos. Salvou-a, mas certamente não mais será a mesma.
Depois deste episódio e depois do cão que se apoderou da passadeira, será de suspeitar de uma subversão canina?
quinta-feira, maio 11, 2006
Enamorei-me pelo mar
Sentada sobre a areia
Dei-lhe um sinal
Toquei – o com os meus pés
Sob sua fria pele de água.
Sua frieza era fingida
E a brisa, nossa atalaia, pasmou
Porque ele correu até mim
A pulsar nas suas ondas
E abraçou-me inteira
Com seu corpo salgado.
Dei-lhe um sinal
Toquei – o com os meus pés
Sob sua fria pele de água.
Sua frieza era fingida
E a brisa, nossa atalaia, pasmou
Porque ele correu até mim
A pulsar nas suas ondas
E abraçou-me inteira
Com seu corpo salgado.
segunda-feira, maio 08, 2006
Amor que fere
Às vezes, o amor também fere. As pessoas amam (aquele amor de verdade), com as suas imperfeições e com as marcas da vida. E um amor humano traz consigo estas coisas, e é por estas outras coisas, que vem coladas ao amor, que ele fere. E não há réu.
E assim, às vezes, acontece a angústia da mistura de um amor que ama, um amor que acerba feridas, e nelas se revolta, e um amor onde há lágrimas de cumplicidade, e nelas se abraça intensamente. É um amor de anos, ou um amor de uma vida, ou um amor com mais idade que a nossa própria idade. Nem grito, nem silêncio, nem fuga, suavizam. Simplesmente adormecer e acordar num amor recuperado.
E assim, às vezes, acontece a angústia da mistura de um amor que ama, um amor que acerba feridas, e nelas se revolta, e um amor onde há lágrimas de cumplicidade, e nelas se abraça intensamente. É um amor de anos, ou um amor de uma vida, ou um amor com mais idade que a nossa própria idade. Nem grito, nem silêncio, nem fuga, suavizam. Simplesmente adormecer e acordar num amor recuperado.
sexta-feira, maio 05, 2006
Escuto, de Sophia
"Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou deus
Escuto sem saber se estou ouvindo
O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita
Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco"
Se o que oiço é silêncio
Ou deus
Escuto sem saber se estou ouvindo
O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita
Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco"
quinta-feira, maio 04, 2006
A menina encurralada
Quando alguém me esta a pressionar, constrangendo o que me é intrínseco, eu sento-me a seu lado, mansa, e conto-lhe uma história…
Aquela história de uma menina que um dia foi colocada no infantário da aldeia, e, porque sentiu que estava longe de casa e como que a queriam roubar dos seus pais, escapuliu-se, correu na calçada da avenida rural, subiu as escadas da capela da N.ª S.ª da Conceição da Rocha (pensando lá estar protegida) até a um patamar sem saída (a menina ainda não tinha a perspicácia que tem hoje!). Quando encurralada pela professora, ela esperneou, esbracejou e num golpe final cuspiu e deu um estalo na sua face.
Era uma criança de apenas 3 anos. Que fará uma mulher crescidinha, pressionada?
Aquela história de uma menina que um dia foi colocada no infantário da aldeia, e, porque sentiu que estava longe de casa e como que a queriam roubar dos seus pais, escapuliu-se, correu na calçada da avenida rural, subiu as escadas da capela da N.ª S.ª da Conceição da Rocha (pensando lá estar protegida) até a um patamar sem saída (a menina ainda não tinha a perspicácia que tem hoje!). Quando encurralada pela professora, ela esperneou, esbracejou e num golpe final cuspiu e deu um estalo na sua face.
Era uma criança de apenas 3 anos. Que fará uma mulher crescidinha, pressionada?
A dança do sorriso
Na sua dança com os dois olhos
O sorriso pincela as faces de magenta,
A mesma cor que dorme nos lábios navegantes.
O sorriso pincela as faces de magenta,
A mesma cor que dorme nos lábios navegantes.
terça-feira, maio 02, 2006
segunda-feira, maio 01, 2006
‘Sinais de Fogo’ consumado
O livro ‘Sinais de Fogo’ saiu da minha estante. Foram quinhentas e trinta páginas que despertaram em mim sentimentos diversos.
Na sua forma de escrever cheia de talento, o narrador embrulha-se em reflexões pessoais profundas e em angústias, introduzidas por entre o enredo, e das quais ficamos curiosos porque é uma alma completamente a nu. E todo o enredo, de um filho de Lisboa que pertence a uma família com nível económico alto, cabe dentro de umas férias de Verão de 1936, vividas na Figueira da Foz.
Na sua forma de escrever cheia de talento, o narrador embrulha-se em reflexões pessoais profundas e em angústias, introduzidas por entre o enredo, e das quais ficamos curiosos porque é uma alma completamente a nu. E todo o enredo, de um filho de Lisboa que pertence a uma família com nível económico alto, cabe dentro de umas férias de Verão de 1936, vividas na Figueira da Foz.
O livro tem retratos quase pornográficos, porque, mais que simples erotismo são exposições a cru da sexualidade. Tem uma carga machista acentuada. Alicerça-se sobre as paixões, o universo masculino, o seu desregramento. A mulher, quase sempre, assume um papel redutor, vista numa perspectiva sexual. Há uma mulher que ganha um outro relevo, por causa de uma paixão que quer tomar as formas de um amor. Mas este amor não continua, ficam as suas marcas.
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Para uma mulher que gosta da sua feminilidade, a quem agrada a magia da diferença, e que gosta de sentir, nessa diferença, estar em pé de igualdade e em complementaridade com o homem, para uma mulher assim, um livro com uma história carregada de libertinagem e insuficiente respeito feminino, tem o mérito de vislumbrar uma mente masculina e um tempo e tem a capacidade de ficar na lista de conteúdos para não levar em conta, como indicativos de valores, em algumas das suas faces. Mas, a narrativa foi saboreada, e por isso ficarão gravados fragmentos.