porta entreaberta

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Localização: Viana do Castelo, Portugal

quinta-feira, maio 31, 2007

Sombras

Vou deixar a tarde amansar aos pés da noite
E libertar minhas sombras sob a luz ténue do candeeiro.

The Tree of Crows

The Tree of Crows, 1822 by Caspar David Friedrich

Grevista ou não?

Não sei, de forma científica, se existiu ou não constrangimento a uma adesão à greve. Isto em relação aos meus colegas e por causa dos dados pedidos pelo governo sobre o número e o nome das pessoas que a fizeram. Mas eu não lhes senti uma inquietação a este respeito. A inquietação que existe tem a ver com as mudanças significativas na relação laboral.
Noutras situações do passado, encaradas por mim quer de uma forma quer de outra, os números de adesão à greve, do Governo por um lado e do sindicato por outro, não conviviam particularmente bem. As divergências acentuadas diziam-me que um ou ambos não estavam a ser sérios para com os trabalhadores. Ou, falando em meu nome, não estavam a ser sérios para comigo.
Por isso, agora defendo que, se a lista tem dados que permitem uma informação mais rigorosa não deve ser negada. Com ela não deverão existir segundos números. Ou, por outras palavras, é difícil pensar que existem segundos números com registos deste tipo.
Independentemente disso, sabemos que quem está perto dos trabalhadores, os imediatamente superiores hierárquicos, tem a conhecimento, sempre, quer haja ou não listas destas, sobre quem fez a greve e quem não a fez. São esses que nos vão avaliar o desempenho, são esses que, quando se trata de caso a caso, terão uma palavra sobre a nossa situação profissional. Por isso, mais depressa eu temo supostas represálias dos responsáveis locais do que dos senhores que em Lisboa não se lembram que eu, por mim, ser individual, existo.
Quanto a esta greve, querendo ou não, ainda parece existirem números diversos e confusos: os números do governo que foram melhor alicerçados; e os números do sindicato, os quais ficaram em segundo plano de acordo com a ideia que o governo tem, mais do que se preocupar com números, preocupar-se com as pessoas. Mas este é o problema já conhecido, dos números e da estatística.

quarta-feira, maio 23, 2007

Carta fechada

Há um valor em cada carta fechada. São duas e elas estão sobre a mesa. Os apostadores exerceram a sua opção e vai vencer o que apostou os euros mais rechonchudos. Abrem-se as cartas e de entre os dois apostadores (que é o mesmo que dizer dois sócios que almejam fervorosamente dissociar-se) apenas um fica. Fica com a empresa. Fica sem a quantia que o tornou vencedor, o preço.

Também a nossa vida é, muito provavelmente, uma carta fechada.
Será que, quanto mais dermos por ela mais hipótese temos de vencer?

A Carta Fechada foi o divertimento do entardecer. Deixa dentro do envelope o valor que escreves sobre nós os dois?
Porque escreveste o infinito, quererei esse infinito de ti.

segunda-feira, maio 21, 2007

Dias de Verão

De acordo com o que se escuta/lê na vizinhança, ninguém está indiferente aos dias de verão. Eu estou em bulício com as numerosas e versáteis ideias para as férias…

domingo, maio 13, 2007

As Leis

Quando passo os olhos sobre certos códigos legislativos, percebo como são tão enredadas as nossas leis. Existem códigos, existem diplomas avulsos e dispersos. Tudo deverá estar previsto e, porque as variantes são muitas, é preciso delineá-las ao milímetro. Encontramos nos primeiros artigos as regras gerais; para as regras gerais, encontramos mais à frente umas excepções; e para as excepções encontramos outras excepções. Tudo tem um número expressivo de requisitos e algumas remissões. As noções de coisas conhecidas pelo senso comum, são escritas com uma formalidade que as torna coisas estranhas. Nós estamos aprisionados pelas regras, pois as leis são como fios que se infiltram no nosso meio e que se enrolam à nossa volta.
As leis conseguem proporcionar, algumas vezes, o objectivo contrário à justiça. Os factos, para serem factos válidos, têm que encaixar na sua letra. Ora, daí a forma da lei ter a capacidade para vencer a sua substância. Por outro lado, os actos de procedimento podem por em causa a questão de fundo, isto é, mais uma vez, a substância.
Existem áreas em especial, relativamente às quais as suas leis são demasiado complexas para os seus objectivos. Não sei se é o legislador que se quer desafiar a si próprio e aos profissionais que vão trabalhar sobre as matérias. Mas, é verdade que há uma certa dose de desafio em descortinar o enredo, em trabalhar sobre casos concretos e conectá-los com a letra.
De qualquer modo, constatamos que as leis não são prescindíveis. Não basta a nossa natureza para tudo funcionar com coerência. E a sociedade funciona sobre uma estrutura que se vai tornando mais complexa. Neste contexto, há uma liberdade que é cada vez mais difícil. Somos mais dependentes e cada vez mais será necessário contratar especialistas para concretizar coisas pequenas.

domingo, maio 06, 2007

Danae


sexta-feira, maio 04, 2007

Não quero ficar sozinho

Alguém tange a porta. Quem será?! Estranho, ninguém tange esta porta, assim.
Eu acabara de colocar o quadro na parede lisa e branca. Admirava-o. E, por meio disto, pensava nas pinturas que gosto de sentir. Gosto de sentir, por exemplo, os quadros de Paula Rêgo. Dá-me prazer olhar aqueles corpos rechonchudos e intrigantes, as suas cores, as suas formas. Gosto deles apresentados numa exposição, mas não ficariam bem nesta parede. Aqui, é diferente. Este quadro é de um pintor anónimo para quase todos. E, neste momento, seria o meu bálsamo (ou a minha inércia), mas resolvi atalhar a cerimónia e dirigir-me à porta.
Ficamos a conversar do lado de fora da casa. É o mais conveniente nestas circunstâncias. A conversa seria apenas o tempo necessário para ele me apresentar a conta da reparação de que foi o intermediário.
Sr. M. tem 75 anos e mora sozinho desde Agosto passado. A sua mulher falecera nesse mês. Desde então os seus dias são passados junto da filha, na cidade. Costumava ir até a cidade laboriosa, num daqueles carros cujo condutor não precisa ter uma carta de condução como a que eu tenho. Entretanto, o seu carro acanhado, de cor vermelho alaranjado, deixou de circular na rua. Mas eu continuava a vê-lo passar, de boleia no carro da família ou de outras pessoas, diferentes pessoas. Depois de algum tempo, já não o via de boleia, simplesmente já não o via a passar naquela rua. Até que o encontrei perto da sua casa. Nesse dia, ele desabafou – Não tenho andado muito bem. A minha filha vai sair da cidade.
Hoje ele está com a barba por fazer. Parece que o seu hálito traz a sombra de um vinho tinto carregado. E diz-me - A minha filha vai para a Suiça. Vai trabalhar para lá. Eu tenho que tratar dos negócios que tenho aqui, tenho que cuidar da casa. E da casa que é da minha neta. A minha neta que está a estudar nos Estados Unidos.
Falou sobre os estudos da neta, não pela primeira, nem segunda, nem terceira vez. Disse-o talvez pela quarta ou quinta vez. Mas hoje existiu, para além do pundonor, também uma justificação. Quis dizer que fica porque quer ficar pela neta, não por outro motivo qualquer. Mas, não obstante a circunstância, há uma coisa que o seu rosto não nega: ele não quer estar longe da família.
A sua barba por fazer e o hálito do vinho deixam-me com o sentimento de pena (dizem que não é bom o sentimento da pena). E, como que todas as energias confluindo para o cenário deste sentimento, para o desleixo da sua apresentação, surge a suspeita de a braguilha das suas calças estar aberta. Fico a pensar nisso enquanto ele fala, e eu não lhe presto a mesma atenção, a empatia que até agora persistia mostra-se confusa. Porque eu tento perceber se a braguilha está mesmo aberta. - Será o fio de luz que vem de dentro de casa, por entre a fresta da porta e se reflecte nas calças? Mas que diferença faz? Eu vou confrontá-lo, assim sem mais, com isto?
E, o meu telefone tocou. Foi o Sr. M. que tomou a iniciativa de se despedir, apressadamente. Não voltei a vê-lo.