porta entreaberta

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Localização: Viana do Castelo, Portugal

sexta-feira, abril 28, 2006

Veia torcida

Uma veia, no peito, torcida
E o sangue espremido.
Ela só se destorce quando te sinto aqui.
Porque as mãos que a torcem
São cobardes que me apertam na tua ausência
E logo fogem à tua presença.
Só por tua causa, o meu sangue circula novamente.

Peão estranho

Há uma zebra esparramada no chão. Ao lado direito está um café, cujo nome gravo parcialmente. É qualquer coisa que rima com peão. Ou é ilusão de estar a ver um peão à minha frente?!
Não importa, porque a minha atenção percorre a estrada, e é nela que eu acho qualquer coisa diferente. O peão é estranho, muito baixo, com umas orelhas esquinadas, uns olhos castanhos grandes e simpáticos, que olham, por segundos, para o seu lado direito, onde está o carro. Quando percebem que este abranda e as quatro rodas estão quase a imobilizar, os olhos castanhos seguem em frente, seguros, e os passos, curtos e suaves, salpicam as listas brancas, até à outra margem.
Logo percebo a estranheza desta visão. O rabo, as quatro patas, o focinho e os pêlos longos e coloridos, de um cão (cadela?) civilizado a atravessar a passadeira.

terça-feira, abril 25, 2006

As histórias de 1974

Censurar o que eu penso e quero dizer? Estar de pé, como estátua, horas a fio até negar minhas convicções, ou até revelar o que não há para revelar? Não poder escolher, entre vários, quem eu acho que pode fazer melhor por mim, pelos meus e pelos outros, no poder? Não vivi estas experiências, assim. Estou solidária, mas sei que a compreensão delas é diferente para mim, em relação a alguém que as viveu. Não fico, também, desagravada, de todo, dos constrangimentos à liberdade. Nos tempos contemporâneos também há mutilações. Outro tipo de mutilações, as sofisticadas.
Eu não estava cá em 1974. E eu sei que a História é, sempre, uma construção romanceada da verdadeira realidade. A História retratada na televisão, nos jornais, no filme ou documentário. Mas há ainda a acrescentar a história das pessoas que vivem, perto de nós, e que estavam cá.
Acho curioso saber o que sentem e pensam essas pessoas. Pessoas simples, que viviam preocupadas com o pão para se alimentarem, uma preocupação ininterrupta. Pessoas normais que não estiveram na ribalta mas comungaram da vida do país.
Foi por isso que andei à conversa. Marcelo Caetano estaria capaz de levar o país à democracia? A descolonização, um dos motivos do descontentamento dos militares da revolução, deveria ser feita mais compassadamente? Spínola saiu do seu cargo, de Comandante das Forças Armadas, por força de outros interesses menos claros? Viveram-se atropelamentos nos meses seguintes, até 1975? Apresentaram as nacionalizações, um reverso negativo, através dos seus privilegiados? Porquê a fuga de empreendedores, que assim não prosperaram no nosso país? Qual a real importância do 25 de Novembro, na estabilização necessária a que o golpe desse verdadeiros frutos? Estas foram as questões que surgiram nas conversas que tive, excluídos os factos que me apresentam na televisão.
Conheço uma história que aconteceu nos dias seguintes, ainda quentes, da revolução de 1974. Um sujeito entra num café. Tem uma expressão vaidosa e num jeito pomposo coloca os pés sobre a mesa, dizendo - Estamos na liberdade. Poderia ficar por aqui, mas, não tão simples, esta história conta mais. O dono do café faz-lhe um convite _Tire, se faz favor, os pés de cima da mesa do meu café. Ao que se segue um vozeirão ridiculamente confiante – agora há liberdade, sabia? Na sua euforia talvez tenha ingerido dose adulterada de liberdade. O dono do café, homem que os tinha no sítio, como dizem os sábios populares, diz – Pois bem, seja feito segundo o critério dessa tua liberdade. E acrescenta ao seu discurso um estalo bem forte na cara do agora desconcertado transeunte. Se ele tivesse assimilado a verdadeira liberdade perceberia que ela, a liberdade, é responsável.
Coisas essenciais se transformaram. Não há sombra de dúvida em relação à existência de amputação à boca das pessoas, nos tempos de outrora. Uma pessoa na sua vida quotidiana estava facilmente habilitada a ser requisitada para ‘outros fins’. Por falar o que só podia calar e, outras vezes, simplesmente por causa de uma inimizade com um informador, o qual lhe proporcionava, então, a estadia junto a quem de ‘direito’ o podia punir. Sim, estas são histórias que ouvi, desde nova, a pessoas da minha terra. São-me por isso familiares, como se eu as tivesse presenciado, talvez de esguelha.
A História da Humanidade, e a História do povo português, é feita de linhas irregulares, rectas e curvas, declives e elevações. É caso para dizer “vigiai e estais atentos”.

A calçada vazia

De manhã, pela janela, vejo as flores
E vejo a calçada que me leva, a mim

De repente já não me vejo
Mas continuo a ver o meu jardim

Morre o dia
E a calçada me traz, finalmente,
Para, num beijo, chorar o seu escuro fim.

quinta-feira, abril 20, 2006

A meteorologia do sapo

Quando um sapo, que anda discretamente misturado nas folhagens baixas das plantas do quintal, resolve, num ímpeto ousado, sair da sua descrição e assomar junto à porta da casa, sobre um pátio calcetado de pedaços de mármore, limpo e hospitaleiro, na manhã do dia seguinte, ao contrário do dia anterior, tenho a chuva à porta.
(O sapo tem poderes de adivinhação e vem avisar-me, como o fazem os jornalistas que assomam à janela da cozinha, orientados pelos serviços da meteorologia nos seus momentos finais do noticiário das vinte....)

quarta-feira, abril 19, 2006

Amor Perfeito




Um Amor consegue sobreviver e crescer num jardim tão desabrido?!

Noto-lhe um equizema na pétala...

terça-feira, abril 18, 2006

O pesadelo do carro preto

Todos os dias, tenho um pesadelo que se repete não sei bem porquê.
Todos os dias, está um ser, aparentemente normal, sentado num carro preto e com este carro preto mete-se na estrada. São dois percursos por dia, cada um das quais de 90km.
A dada altura desta história, o trajecto torna-se espesso, mas nada faz prever um reverso da cena. Só que ele continua espesso, agora demasiado e insistentemente espesso. É nesta parte que tudo se transforma, e o ser, refiro, aparentemente normal, desfigura-se num vulto de palavras indelicadas, num rosto fulminante, numa criatura possessa de irritação.
É assustador… o que significará este pesadelo?!

segunda-feira, abril 17, 2006

O olhar ferido

A.- No outro dia o meu olho esquerdo chorou como um desalmado.
M.- Mas, porque chorou o teu olho esquerdo como um desalmado?
A.- Porque a vareta dos óculos o feriu.
M.- Foste ferida?! Ingenuidade, desatenção ou inevitabilidade?!
A.- Foi assim: enquanto os colocava, a maldita vareta, que ainda por cima está com a sua extremidade defeituosa porque não tem aquele nódulo protector, tocou no olho. Nem imaginas, durante meia hora não consegui enfrentar a claridade.
M.- Estás com sorte, há coisas que nos magoam e levam mais de meia hora até vermos alguma claridade
A. - Mas que sorte?! Estava a conduzir, por isso vê a dificuldade. Tive de parar a condução.
M.- Sim, parar faz bem. Reflectir. Não vás causar confusões a ti e aos outros, por estares com a vista pouco lúcida.
A.- Pois, mas não foi logo, tive de chegar até um local apropriado.
M.- Quanto ao local apropriado, depende também se o tempo apropriado está num intervalo de minutos ou se é exclusivamente já.
A.- Seja como for, ainda te digo mais.
M.- Diz, então.
A.- Desde esta experiência, quando coloco os meus óculos as pálpebras fecham-se instintivamente.
M.- As duas?
A.- Sim, as duas.
M.- Hum, diagnóstico preocupante. Parece que o efeito se alastrou para além da ferida inicial.
A.- Que pensas?! Fiquei magoada. O que eu sei é que tem sempre que se aprender alguma coisa.
M.- Aprender, não sei. Mas, vá lá que, apesar da mágoa causada pela vareta, continuas a colocar os óculos.
Há quem, por um, desista de outro…

domingo, abril 16, 2006

A carta

Mais que as palavras,
Tem o teu cheiro arraigado na tinta.

E o subtil engorovinhado do papel
Lembra, tão perto as suaves rugas da tua pele.

sexta-feira, abril 14, 2006

Jesus

Jesus há 2006 anos habitou a terra. Assim escreve a História dos Homens e das Mulheres. Também escreve a História dos Homens e das Mulheres, que ele moveu multidões através do seu carisma e por isso ele foi amado, foi odiado e foi morto.
A história de Jesus fascina-me. Fascina-me o carácter, a força das coisas ‘pequenas’, a subtileza do amor, a humildade com o arrojo da dignidade, a voz que fala sem sentir necessidade de gritar para ser ouvida, sem recorrer a armas, a casa sobre os alicerces da rocha, o seu poder para além da derrota aparente (a morte).
Independentemente da materialização que os homens e as mulheres tomam, nas suas vidas ao longo dos dois séculos, da mensagem de Jesus, através da religião, porque tem necessidade de agarrar o que não é palpável, com objectos, doutrinas e rituais, de forma organizada, o que por vezes permite, como todas as leis dos homens e das mulheres, que a forma das coisas prevaleça sobre sua verdadeira natureza. Independentemente de os crentes extrapolarem para o Além a fome incessável de infinito. Independentemente de a bíblia ter inscrito coisas do tipo “as mulheres sejam submissas aos seus maridos pois o marido é a cabeça da mulher”. Independentemente das possíveis cogitações sobre este tema, eu tenho fé na essência da mensagem de Jesus.
E gosto de olhar para um seu retrato e sentir um Amigo...

terça-feira, abril 11, 2006

Meu querido colchão

É sobre ti que vou esbanjar
O peso dos olhos,
O bocejo do rosto,
A lividez do corpo
E a modorra da mente.

Em extravagâncias contigo,
Até amanhecer!

segunda-feira, abril 10, 2006

'Sinais de Fogo' na minha estante

Há um livro, temporariamente na minha estante, de Jorge de Sena.
Tudo começou com os meus sapatos sobre o chão, a fazer um ruído metálico intermitente nos corredores da biblioteca em direcção ao espaço onde se encontrava o volume de Auditoria Financeira. Pensei, enquanto deambulava as estantes com os meus olhos, que a contabilidade e afins não levariam a melhor. Para fazer frente aos números, quis eu que as letras marcassem presença. Os números até podem ser o marido que me sustenta, mas as letras são o outro, sem compromisso escrito, sem cobrança, livre, e que está no coração. Pois bem, dirigi-me à secção de literatura portuguesa e de olhos vendados peguei naquele que me pareceu mais agradável ao trato da mão. Saiu Jorge de Sena e os seus Sinais de Fogo.
No virar das folhas percebi o sentido do título e o fogo que a história insere. Página em página, o livro assalta-nos com as suas aventuras carnais variadas, e no amadurecer da leitura apresenta-se num amor apressado mas intenso, de umas férias de verão. Vinga este amor? Ou fica apenas espraiado nas areias da Figueira da Foz, longe dos seus vassalos, que estão de partida, aparentemente cada um para seu lado? Também o narrador se envolve em profundas e por vezes, para mim, confusas meditações sobre ele e os outros, os actos e as consequências.
“… a liberdade como uma maldição irredutível a quaisquer razões dos outros e do mundo.” Aqui fiquei eu, paralisada neste ponto final, durante longos dias, depois de 404 páginas.
Garantida a leitura por um privilégio de requisição a longo prazo, ainda estou aguardando o despertar da minha inanição, porque ainda tenho que descobrir se alguma certeza o autor conseguiu agarrar das suas cogitações.

domingo, abril 09, 2006

Intervalo II, de Sophia

"Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber."

quinta-feira, abril 06, 2006

O diabo num Palácio de Portugal


Algures numa terra misteriosa e romântica do nosso Portugal, manchada numa grande parte de verde onusto, o qual mira o mar mais além; trilhada por carruagens a cavalo nas suas ruas estreitas ladeadas de casas pitorescas; plantada de árvores e arbustos e flores diversas, tão densamente que é precisa pular e gesticular o corpo habilmente no intento de um percurso pedestre; pingada de poças de água onde navegam os patos.
Algures numa terra do nosso Portugal, infestada de Castelos, Conventos, Palácios, Museus e outros encantos, há um monumento especial. No cimo do parque, colorido de amarelo, rosa, laranja e branco, rendilhado a pedra, há o Palácio da Pena, há um frontispício, uma entrada onde está um ser estranho.
Sentado sobre flores, de pernas escancaradas, cujas extremidades são cobras. Braços abertos para cima, que seguram duas ramificações oriundas da sua nuca, de cabelos compridos, barba e uma expressão carrancuda. Ou será uma expressão arfante do peso de toda aquela maravilha? Perguntei-me quando me vi frente àquela figura, perguntei-me quem era, perguntei-me o que pretendia?
Em Sintra, na terra de sonhos e amor, há o diabo lá em cima…

terça-feira, abril 04, 2006

Novelos do dia a dia

Também me irrita. Porque será?!
Quando há uma frase ou mais frases ditas, em conversa, por uma pessoa, por vezes há alguém que aproveita apenas algumas palavras, tira-as do contexto e reinventa um novo texto. Novo texto, agora malévolo. E nas voltas de sucessivos equívocos forma-se um novelo. Porque será?! Que me irrita? Não. Porque será que se age assim?!
Novelo! Novelo… novela! Uma necessidade de emoções.

segunda-feira, abril 03, 2006

O mar da minha cidade

sábado, abril 01, 2006

As coisas que não dizes


A ameixoeira do meu quintal está carregada de flores,
Mas isso não me basta…
Preciso ainda que me dês tua mão,
Toques na minha,
E assim saberei as coisas que não dizes.