Santa Luzia
A minha avó sentava-se connosco junto à lareira e historiava alguns acontecimentos que fizeram parte da sua vida durante o século passado, alguns deles estavam estreitamente afeiçoados à sua terra. - Sabeis porque acontece todos os anos a romagem ao Monte de Santa Luzia? - Desde que me conheço que sei que acontece esta romagem ao Monte de Santa Luzia, num Domingo de Junho alampado ou borraceiro. Acontece desde o meu sempre, mas não quer dizer que não haja para ela um nascimento assinalado no almanaque dos séculos. Este é um sentimento que se tem em relação às realidades que nos são apresentadas como adquiridas, o sentimento de que existiram sempre.
- Vou contar-vos porque começaram as peregrinações. - A minha avó vestia, dos pés á cabeça, roupa de cor preta. Usava uma saia enfunada cujo comprimento descia abaixo dos joelhos. Sobre o cabelo grisalho, longo, amarrado com ganchos, moldado na forma de uma rodilha, colocava sempre um lenço e atava as suas asas sob o queixo. Noutros tempos, o comprimento da saia descia até aos tornozelos, os pés andavam descalços ou calçavam umas socas de madeira e usava outras cores. Ela continuava – Também vos enganais quando dizeis que a peregrinação é a Santa Luzia. A peregrinação deve-se à devoção ao Sagrado Coração de Jesus. – De facto, existe no santuário uma copiosa imagem feita em bronze de Jesus, com o coração junto ao peito e sobre a palma da mão.
O belo edifício está no cimo do Monte de Santa Luzia. A sua construção começou nos finais do século XIX. A minha avó nasceu em 1905 e em 1918 ela tinha 13 anos. Até este ano foram concluídos os trabalhos iniciados no século anterior e este ano foi o ano que viu o fim da Primeira Guerra Mundial, e o ano o que viu a princípio da pneumónica. – Chamavam-na a gripe espanhola. Percebemos que famílias inteiras morriam, casas fechavam vazias. O sino deixou de tocar pelos defuntos, porque não dava vazão a todos e porque não pretendia fazer sofrer mais aqueles que já estavam a sofrer com a sua própria doença, anunciando a cada toque mais um fim. Familiares desconheciam que o pai, a mãe, o filho, o marido, a mulher, o irmão ou a irmã morrera, e morriam pouco depois também. Ela contava que este foi um vírus poderoso e incontrolável.
- Vou contar-vos porque começaram as peregrinações. - A minha avó vestia, dos pés á cabeça, roupa de cor preta. Usava uma saia enfunada cujo comprimento descia abaixo dos joelhos. Sobre o cabelo grisalho, longo, amarrado com ganchos, moldado na forma de uma rodilha, colocava sempre um lenço e atava as suas asas sob o queixo. Noutros tempos, o comprimento da saia descia até aos tornozelos, os pés andavam descalços ou calçavam umas socas de madeira e usava outras cores. Ela continuava – Também vos enganais quando dizeis que a peregrinação é a Santa Luzia. A peregrinação deve-se à devoção ao Sagrado Coração de Jesus. – De facto, existe no santuário uma copiosa imagem feita em bronze de Jesus, com o coração junto ao peito e sobre a palma da mão.
O belo edifício está no cimo do Monte de Santa Luzia. A sua construção começou nos finais do século XIX. A minha avó nasceu em 1905 e em 1918 ela tinha 13 anos. Até este ano foram concluídos os trabalhos iniciados no século anterior e este ano foi o ano que viu o fim da Primeira Guerra Mundial, e o ano o que viu a princípio da pneumónica. – Chamavam-na a gripe espanhola. Percebemos que famílias inteiras morriam, casas fechavam vazias. O sino deixou de tocar pelos defuntos, porque não dava vazão a todos e porque não pretendia fazer sofrer mais aqueles que já estavam a sofrer com a sua própria doença, anunciando a cada toque mais um fim. Familiares desconheciam que o pai, a mãe, o filho, o marido, a mulher, o irmão ou a irmã morrera, e morriam pouco depois também. Ela contava que este foi um vírus poderoso e incontrolável.
Anos mais tarde, e a minha avó já não estava presente, podíamos ver, no contexto da actualidade, um documentário sobre a gripe das aves, apresentado na televisão. Diziam-nos os narradores que em toda a História e por cada século aconteceram duas a três epidemias da dimensão da pneumónica. E continuavam assegurando que o século passado ainda não havia cumprido este número. Concluíam com a agitadora dúvida: um breve adiamento ou uma generosa alteração no plano da História?
Mas, voltando à outra história, a minha avó arrematava-a – um grupo de pessoas de Viana do Castelo propôs que, se não acontecessem mais mortes pela pneumónica todas as 42 freguesias do Distrito se reuniriam anualmente e subiriam o Monte em peregrinação ao Santuário. Nesse dia morreram 24 pessoas, no dia seguinte duas e depois mais nenhuma. – Deixei escapulir um pensamento que não foi compreendido. Pensava eu que um pedido nestes termos parecia mais um contrato, com um pagamento sequente, que uma fé.
Mas, voltando à outra história, a minha avó arrematava-a – um grupo de pessoas de Viana do Castelo propôs que, se não acontecessem mais mortes pela pneumónica todas as 42 freguesias do Distrito se reuniriam anualmente e subiriam o Monte em peregrinação ao Santuário. Nesse dia morreram 24 pessoas, no dia seguinte duas e depois mais nenhuma. – Deixei escapulir um pensamento que não foi compreendido. Pensava eu que um pedido nestes termos parecia mais um contrato, com um pagamento sequente, que uma fé.
Até hoje o ritual repete-se e, para além de tudo, recordo outros dias de Santa Luzia, o convívio entre os amigos, a caminhada ascendente pela estrada, o regresso descendente pela escadaria, as cerejas negociadas com as vendedoras ambulantes no sopé do monte, e o fim da tarde na praia…
2 Comments:
Uma bela historia. Mais um belo post como é habito.
Também eu tenho saudades das historias contadas pelo meu avô.
Beijinhos para ti
Obrigada Carlos.
As pessoas de mais idade têm, normalmente, muito para dar aos mais novos. Especialmente os avós...
Beijinhos para ti também
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